quinta-feira, 29 de julho de 2010

CRUZADAS, O TERROR SAQRO

Os canibais de Maara.

‘Eu não sei se o domicílio onde nasci se trata de um pasto de bestas selvagens ou de minha casa!’

Esse grito de aflição de um poeta de Maara não é um simples recurso retórico. Temos infelizmente que tomar suas palavras ao pé da letra e perguntar-nos com ele: o que aconteceu de tão monstruoso na cidade síria de Maara no final do ano 1098?

Até a chegada dos franj (os árabes chamavam os cruzados de franj, provavelmente um termo vindo de franc — francos, franceses), os habitantes viviam pacificamente ao abrigo de sua muralha. Os vinhedos, os campos de oliveiras e pés de figos forneciam-lhes uma modesta prosperidade. O orgulho de Maara era ser berço de uma das maiores figuras da literatura árabe, Abul-Ala al Maari, morto em 1057. Esse poeta cego, livre-pensador, ousara atacar os costumes da época. Era preciso audácia para escrever:

‘Os habitantes da terra dividem-se em dois grupos,
Os que têm um cérebro, mas não possuem religião,
E aqueles que têm religião, mas não têm cérebro.’

Quarenta anos após sua morte, um fanatismo vindo de longe viria, aparentemente, dar razão ao poeta de Maara. Nos primeiros meses de 1098, os habitantes da cidade acompanharam com preocupação a batalha de Antioquia, a três dias dali. Após a vitória dos franj, estes vieram saquear alguns vilarejos vizinhos e Maara fora poupada. Mas algumas famílias preferiram fugir para lugares mais seguros.

Seus temores foram justificados quando, no final de novembro, milhares de guerreiros francos cercaram a cidade. A maioria dos habitantes não teve escapatória. Maara não possuía exército, tinha apenas uma milícia urbana à qual se juntaram centenas de jovens sem experiência militar. Por duas semanas resistiram corajosamente aos temíveis cavaleiros, chegando a jogar sobre eles colméias cheias de abelhas.

Até que chega a noite de 11 de dezembro. Os franj ainda não ousaram penetrar na cidade. Os notáveis de Maara entram em contato com Bohémond e o chefe franco promete garantias se cessarem o combate. Agarram-se à palavra dada. Na alvorada, chegam os franj. É uma carnificina. Durante três dias matam mais de 100 mil pessoas pela espada e fazem muitos prisioneiros.

Adultos fervidos, crianças assadas.

Os números do cronista Ibn al-Athir são fantasiosos, pois a população de Maara era provavelmente inferior a 10 mil habitantes. Mas o horror está menos presente no número de vítimas do que no destino inimaginável que lhes foi reservado. ‘Em Maara os nossos faziam ferver os pagãos adultos em caldeiras, fincavam as crianças em espetos e as devoravam grelhadas’, confessou o cronista franco Raoul de Caen. Até o fim de suas vidas os árabes das redondezas se lembrarão do que viram e ouviram. A lembrança dessas atrocidades fixará nos espíritos uma imagem dos franj difícil de ser apagada.

Jamais os turcos esquecerão o canibalismo dos ocidentais. Em toda a sua literatura épica, os franj serão invariavelmente descritos como antropófagos.Será injusta essa visão? Terão os invasores devorado os habitantes de Maara com o único objetivo de sobreviver? Seus chefes dirão ao papa: "Uma fome terrível assolou o exército de Maara e o colocou na cruel necessidade de se alimentar dos cadáveres dos sarracenos." Mas essa explicação parece um pouco fácil. Pois os habitantes da região assistem, naquele inverno, a comportamentos que a fome não pode explicar. Vêem bandos de franj fanatizados, os tafurs, clamando alto que querem devorar a carne dos sarracenos e que se reúnem à noite, ao redor do fogo, para devorar suas presas.

Canibais por necessidade? Os testemunhos são acusadores. Uma frase do cronista Albert de Aix, que esteve na batalha de Maara, permanece inigualável em horror: ‘Aos nossos não repugnava comer não só a carne dos turcos e dos sarracenos mortos como também a carne dos cães!’
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[As Cruzadas Vistas Pelos Árabes (trad: Rosana Bond)]