“As Cruzadas Vistas Pelos Arabes, de Amin Maalouf.
'Invasores, atrasados, desconhecedores das regras elementares de ética social' - era assim que os mulçumanos viam os cruzados - europeus cristãos que invadiam suas terras na tentativa de reconquistar Jerusalém, a 'Cidade Santa'. Das primeiras invasões, no século XI, até a derrocada final dos cruzados no século XIII, Amin Maalouf constrói aqui uma narrativa inversa às correntes entre nós, ocidentais. Em um livro que nunca deixa de ser épico e emocionante, ele percorre a longa galeria de personagens históricos que participaram da 'Guerra Santa', bem como relata os fatos belicosos, as batalhas e os acontecimentos pitorescos surgidos do entrechoque de duas culturas tão diversas. Mostrando os cristãos como cruéis e selvagens, ignorantes e culturalmente despreparados, Maalouf faz o leitor pensar. Afinal, naquela época, quem eram os verdadeiros bárbaros? “
“Rosana Bond.
Nestes tempos em que o imperialismo acusa a tudo e a todos de terrorismo, em que tenta vincular, de modo torcido e generalizador, o povo árabe com a imagem do terrorista, do bárbaro1 , do fanático,do impiedoso, nada mais interessante do que ler As cruzadas vistas pelos árabes , do professor Amin Maalouf. Editada na França em 1983, onde ficou várias semanas entre os mais vendidos. A obra foi publicada no Brasil em 1988 e não teve grande repercussão.
Apresentamos a seguir o capítulo 3 do livro, Os canibais de Maara, resumido e adaptado por Rosana Bond.
Só para relembrar: as chamadas Cruzadas, num total de oito, foram convocadas pelos papas a partir do século XI "para servir a Deus" contra os "infiéis muçulmanos". Realizadas entre 1095 e 1291, sob o símbolo de uma cruz branca, tiveram também um objetivo bem menos "santo ": o lucro, pilhagem das cidades, o saque, a tomada de pontos comerciais estratégicos (como o porto de Zara, no Adriático), a imposição dos grandes negócios de venezianos e genoveses. Tudo isso canalizou riquezas para os cofres papais e das classes dominantes da Europa.
A derrota dos cruzados ocorreu a partir de 1244, quando perderam definitivamente Jerusalém e em 1291 quando os árabes retomaram Acre, pondo fim a dois séculos de selvageria econômico-religiosa ocidental em terra alheia.
Os canibais de Maara.
Eu não sei se o domicílio onde nasci se trata de um pasto de bestas selvagens ou de minha casa!
Esse grito de aflição de um poeta de Maara não é um simples recurso retórico. Temos infelizmente que tomar suas palavras ao pé da letra e perguntar-nos com ele: o que aconteceu de tão monstruoso na cidade síria de Maara no final do ano 1098?
Até a chegada dos franj (os árabes chamavam os cruzados de franj, provavelmente um termo vindo de franc — francos, franceses), os habitantes viviam pacificamente ao abrigo de sua muralha. Os vinhedos, os campos de oliveiras e pés de figos forneciam-lhes uma modesta prosperidade. O orgulho de Maara era ser berço de uma das maiores figuras da literatura árabe, Abul-Ala al Maari, morto em 1057. Esse poeta cego, livre-pensador, ousara atacar os costumes da época.
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