Tem coisas que não mudam nunca.
28/MAR/08
CONVERSAVA-SE ASSIM EM JANEIRO DE 92
-- Você esta vendo esses 80 intelectuais que estão indo à Cuba em vôo de solidariedade? -– Intelectual nada, ali só tem uns três conhecidos, os demais são turistas políticos. -- O pior é que Fidel resolveu fuzilar aquele opositor logo agora, complicando a questão dos direitos humanos junto às esquerdas. -- O Betinho disse que não vai porque lá, Fidel confinou os aidéticos. -- Achei legal o que o Chico Buarque falou: está indo para ajudar o povo cubano e não para dar força a Fidel (Cabano: quas, quas, quas). -- Mas dá para separar uma coisa da outra? -- O que está me espantando é que certos intelectuais, que pareciam tão mansinhos, estão a favor da pena de morte em Cuba. -- Acho que o Chico Caruso deveria fazer uma charge sobre isso: Fidel com um fuzil coberto de flores apontado para a vítima no paredon e escrita a frase do Che: “Hay que endurecer pero sin perder la ternura”. -- É, matar com flores fica mais suave. -- “Os inimigos não mandam flores”. -- “Te gustan las flores? Mañana las tendrás”. -- Ta complicado. -- Se está! A Suíça já não é mais aquela, dizem que está acabando. -- Acho isto mais grave, aliás, que o fim da Rússia. O império soviético todo mundo sabia que um dia ia acabar, mas a Suíça?! -- E o Canadá? Está com um milhão de crianças passando fome e uma reportagem que vi outro dia sobre pobres dormindo nas ruas de Washington me pareceu coisa do Rio. -- E o mais surpreendente é que o antigo Eixo, Alemanha, Itália e Japão, está numa ótima. -- Os outros ganharam a guerra, eles ganharam a paz. -- Já pensou se aparece um historiador por aí contando, de outro ponto de vista, as razões da Segunda Guerra Mundial, e acaba demonstrando que foi tudo uma armação dos Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia, porque já não agüentavam a concorrência dos japoneses, alemães e italianos? -- Mas pelo menos essa semana, depois de séculos, o FMI liberou mais de US$ 2 bi para o Brasil. Dizem que agora o Brasil voltou à comunidade financeira internacional. -- E está todo mundo feliz. Se fosse nos anos 50 ou 60, a UNE e a esquerda estariam nas ruas protestando. Iriam para a frente da Embaixada Americana, gritariam slogans, etc. -- Agora mudou tudo. Os paises encalacrados estão todos rogando pelo dinheiro do FMI, ninguém que mais expulsar o capital estrangeiro, ao contrário, trata-se de seduzi-lo. -- É verdade. Estão lá os soviéticos implorando: capitalistas de todo o mundo, uni-vos! Para salvar a Rússia. -- É sempre assim: morreu o oponente, o outro ficou desnorteado, perdeu sua função. -- O Bush está baixíssimo na cotação para a próxima eleição. -- É isso aí, companheiro. A Historia é uma loucura, como diria o camarada William. -- Que camarada? -- O William Shakespeare; aquela coisa de ele dizer que a historia do homem não passa de sons furiosos emitidos por um idiota significando nada. -- Pior é aqui no Brasil. -- Pior e melhor, depende. -- Uns dizem que o governo Collor acabou, outros dizem que agora é que ele está começando. -- Você está falando de loucura? Loucura é isto: primeiro ele trouxe os esquerdecos, aquela turma da Zélia. -- É verdade, muitos deles andaram na resistência aos militares na década de 70. -- Pois é, eles foram um fracasso. Muito bonitinhos, novinhos, idealistazinhos, mas não deu. -- Sentindo que eles não seguravam a barra, Collor começou a seduzir os tucanos. Não teve jeito, tucano gosta é da oposição, não do governo (Cabano: quas, quas, quas). -- Aí, isolado, o poder acabou caindo nos braços do PFL. -- É verdade, mas nem por isto. -- O negócio é o seguinte: político como tudo o mais, é coisa de profissional. Não adianta colocar lá em cima um bando de colegiais idealistas, parecendo diretório acadêmico, na hora do pega pra capar a coisa é outra. -- Mas você não acha que os tais “profissionais” é que levaram o país onde ele está? -- Dizem que se o parlamentarismo fosse instalado hoje, o Antônio Carlos Magalhães ou o Sarney seria primeiro-ministro. -- Coisas da política, companheiro. Há que manter a ternura sem endurecer completamente. (Afonso Romano de Sant’Anna, 02/FEV/1992, jornal O LIBERAL, charge de Jorge Laurent).