“18/07/2005
Somos todos hamsters
Ele troca de carro duas vezes por ano. Todo o semestre, último modelo. Dois meses depois de adquirido, quando o cheiro de novo evapora, o possante perde o encanto que, instantaneamente, é transferido para o catálogo dos próximos lançamentos. O problema da sua mania não é o fato de comprar o que existe de mais moderno, mas fazer isso para suprir a falta de caminho. Ele pode ter o carro que quiser, mas nenhum deles o fará ter um lugar para ir.
"Ele" é como a maioria de nós, criadores e moradores de um mundo dominado pelos catálogos, vitrines. São celulares, ipods, roupas, sapatos, computadores, relógios, mulheres lipoaspiradas e botocadas, tudo constantemente se modernizando, sendo embelezado, ficando menor (em alguns casos), mais rápido, mais potente. Milhares de coisas reluzentes, bonitas, tentadoras, supérfluas. Coisas com a função mais ingrata da terra: preencher nossa solidão.
Os anúncios afirmam que o produto ali estampado traz mordomias, bem-estar, forno auto limpante, pára-brisa com detector de chuva, mais conforto, mais status e, conseqüentemente, aumenta nosso acesso a algo imensurável: felicidade. Mas as toneladas de anti-depressivos engolidas por todo mundo no mundo todo prova inexoravelmente o contrário: viramos hamsters, sempre em ação, ansiosos por dar mais uma volta na roda, cada vez mais rápido, sem sair do lugar, nos cansando a troco de nada. Trabalhamos feito camelos no deserto, sempre ocupados e preocupados com o que pensam de nós, a promoção, o chefe sacana, a conta vencida, o idiota que quer nosso cargo. Para que exatamente? Morrer de câncer? Ganhar uma úlcera? Somar alguns milhares de reais e uma hérnia de disco? Para termos sucesso e sermos reconhecidos na rua? Para causarmos inveja?
Fama. Essa a palavra que ganhou um tom quase deificado. Mas, por mais que me esforce, não entendo a correlação que corrobora a tese de que alguém famoso vale mais do que o atendente da padaria (veja só o que nos tornamos: valoramos uns aos outros como um saco de batata frita na prateleira)? Se fama é passagem só de ida para a felicidade, porque raios o Kurt Cobain, a Marilyn Monroe, Elvis Presley e tantos outros deram cabo a tal alegria imensurável? Porque, no final das contas, no final do dia, fãs histéricas gritando na porta do hotel, foto em capa de revista e aparecer na novela das oito não dá colo, não faz cafuné, não entende suas tristezas, não diz palavras que aquietam a mente. Em alguns momentos, não serve pra nada.
Às vezes acho que o mundo seria um lugar bem mais aprazível se as pessoas coçassem mais o saco, tivessem tempo livre o suficiente para chegar a conclusão de que a única coisa que realmente importa é ausência de agonia, essa companheira tão presente ultimamente e que insiste em não ir embora.
Ailin Aleixo é autora do livro de contos “Só os idiotas são felizes”.
Revista VIP, 2005 JULHO"