Conversa que ouvi num bar, em horas crepusculares, de um poeta com três ou quatro aperitivos no bucho com um amigo, pelo visto, não menos provido de combustível. Dizia o poeta:
-- Pois é como te digo, caboclo, chegou a hora da onça beber água, ou seja, o instante mágico do êxtase poético. Pede mais gelo. E vê se me arranjas um para-brisa de silêncio, para proteger dos tumultos do dia esta ilha de sonhos. A vida parou.
-- Deixa disso, velhinho...
-- Quero beber solidão...
-- Não mistura. Bebe outro uísque.
-- Quero beber solidão, bruto ignaro, que estou sentindo o poema percorrer meu corpo, com seus pés sutis.
-- É. Já reparei que neste bar tem pulga. Vou falar com o Ronoel.
-- É o poema, cretino, Para seu governo acho-me em transe poético, não tem pulga nenhuma, estou suando lirismo e sempre que chego a este ponto sinto cócegas versejadoras se insinuando-se pelo meu ser. entre a camisa e a pele. Acho que isso antigamente se chamava inspiração. No meu caso é transpiração.
-- O.K., meu faixa.
-- O fato é que esse crepúsculo me deixa nervoso e comovido. E eu perambulo, sonâmbulo, pelas margens de silêncio desse lago do devaneio. Paisagens de beira-sonho...
-- Está legal pra burro!
-- Anoiteço com meiguice. A estrela que fica além, além da Serra da Estrela, conduz meus passos incertos, pisando a esmo, assim mesmo, os estilhaços do dia. Beijei a boca da noite.
-- Se tua mulher sabe disso!...
-- Que sabe a mulher do homem? – e o homem, que sabe dela? Dá-me tua mão suavíssima, Oh! doce amiga, imaculada e bela!
-- Sai pra lá!... Que conversa é essa? Está me estranhando?
-- Não é você, cavalgadura. Falo da noite.
-- Ahn! Bom! Então, antes que eu me esqueça: vamos pro penúltimo?
-- Os penúltimos serão os primeiros; e muitos serão os chamados, porém, poucos os escolhidos.
-- Essa eu matei. Você está falando da instalação de telefones. É ou não é?
Chegou uma pessoa conhecida e pôs-se a conversar comigo; não pude, assim, ouvir o resto da conversa do poeta que queria beber solidão, mas, enquanto a solidão não vinha, ia mesmo bebendo uísque.
(Luís Martins)